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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A MÉDICA E O MONSTRO. A propósito do câncer de Lula, médica questiona o atendimento do SUS aos pacientes com câncer. "Por que todos não têm o direito ao diagnóstico no sábado e início do tratamento na segunda?", Lisiane Anzanello. De fato, a atendimento pode ser um tipo de monstro a assombrar os pacientes.

O SUS E O TRATAMENTO DO CÂNCER DE LULA 

Lisiane Anzanello
Médica oncologista

Meus amigos, como oncologista, digo que ninguém está desejando mal ao Lula ou aos pacientes sofredores de câncer. Mas sabemos que, quando um governante sente na pele o que um paciente passa para ter o direito a um tratamento digno e justo, ou mesmo morre na fila esperando um medicamento, uma cirurgia ou simplesmente pela ineficiência do sistema, temos que nos revoltar.

Por que todos não têm o direito de ter um diagnóstico no sábado e iniciar o tratamento na segunda? Me digam um paciente que conseguiu essa presteza ou que tratou linfoma com a droga de ponta que a Dilma usou, ou vai fazer infusão contínua com cateter e bomba de infusão de uso domiciliar?

Por que não nos exasperarmos por nem todos terem os mesmos direitos? Somos diferentes por que não temos convênios, ou mesmo cargos importantes? E a Constituição Federal não diz que temos todos os direitos e somos iguais? 

Temos sim que aproveitar essa situação e mostrar que há diferenças nos tratamentos e lutar pelos direitos dos mais fracos. Não é justo que um paciente espere 30-40 dias para ter um diagnóstico patológico, ou aguarde na fila de cirurgias, simplesmente porque não há mais médicos se submetendo aos salários de fome que o SUS paga!

Pagar de 10 a 17 reais de honorários de quimioterapia por paciente/mês é simplesmente um achaque! Pagar 1.200 reais por mês para médicos da rede pública por 20 horas de trabalho e fazê-los atender 18 pacientes ou mais em 4 horas é um abuso!

Eu quero sim que ele se cure e tenha um excelente tratamento, que com certeza já está tendo, mas e o paciente que atendi hoje que não teve a mesma sorte e está morrendo no hospital com menos de 30 anos... E as mulheres com câncer de mama que não conseguem usar o tratamento mais moderno? E a fila da reconstrução mamária das mulheres mastectomizadas?

E as filas imensas da radioterapia, que só não são maiores pela abnegação de radioterapeutas que tratam os pacientes SUS em suas clínicas privadas, muitas vezes arcando com os custos do tratamento para verem seus pacientes melhor atendidos?

Temos sim que falar, temos que mostrar à população que não é assim que ocorre no dia a dia de pacientes oncológicos, que ficam sentados dentro de ambulâncias o dia todo aguardando para voltarem para suas casas após terem feito seus tratamentos ou seus exames cedo pela manhã, aguardando aqueles que fazem exames e tratamentos à tarde.

Se vocês não sabem, o câncer é uma doença que mais mata, somente vindo atrás das doenças coronarianas. Quase um problema de saúde pública! E seus custos são altos, sim, mas não justificam que para custeá-los temos que sacrificar pacientes que teriam chances reais de cura, que hoje mesmo a doença se encontrando em estágios avançados chega aos índices de 50%.

Sinto muito se o Lula está passando por isso, mas com certeza não está lutando para ter seu medicamento e passando por um grave estresse para ver quando vai começar ou quando vão lhe chamar para iniciar seu tratamento. Queria que todos os pacientes oncológicos tivessem o direito ao tratamento de ponta oferecido no Sírio ou no Einstein.

Somente nós, médicos, sabemos o dilema ético ao dizer ao paciente que terá que fazer um tratamento, mas que talvez não tenha acesso ao sistema. Por exemplo: a hormonioterapia extendida para câncer de mama após uso de Tamoxifeno não é disponibilizada ao pacientes do SUS porque não tem código para esse tratamento, haja visto que a tabela está desatualizada.

O SUS diz que paga tudo, as tabelas realmente não dizem qual tratamento o médico deve fazer, o médico pode prescrever o que quiser, entretanto, o valor pago pelo código da doença é ínfimo e não cobre os novos tratamentos. Quem paga a conta? Os hospitais filantrópicos? Os hospitais públicos já tão sucateados. Ou deixamos assim e não nos indignamos – afinal eu não tenho nada a ver com isso, na minha família ninguém tem câncer e eu tenho convênio de saúde, para que vou me preocupar?

É irritante escutar tanta coisa de quem não tem a mínima noção do que seja a saúde nesse País. E isso porque em Blumenau e no Sul vivemos num paraíso, se comparado com o resto do País.

Lisiane Anzanello é médica oncologista em Blumenau, Santa Catarina

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