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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

CORUMBÁ. HOMEM CEGA EX-MULHER COM UMA FACA. Mara Rúbia Guimarães, 27 anos, de um momento para outro foi condenada a viver na escuridão eterna. No seu imenso drama pessoal, qual a última imagem que ela mantém na memória? Agora o seu mundo é feito de vultos e sombras coloridas.




MARA RÚBIA, DOR E ESCURIDÃO


Wilson Bicudo da Rocha  que não se conformava com a separação. Numa situação dessas o que o sujeito deve fazer?   

Na mente perturbada de Bicudo a resposta era clara como a luz da manhã: castigar Mara Rúbia, talvez destruir o seu rosto, deformá-la, furar seus olhos para que nunca mais olhasse para alguém, ou alguma coisa. Wilson tinha ciúme até das sombras.

O ciúme doentio, possessivo , intenso, é uma coisa terrível, avassaladora. Uma força gigantesca que deve ficar martelando na mente do sujeito “controle, controle, controle”.

Quando pensamos que a maldade possa ter limites, ela sempre avança mais um pouco, vai adiante, ou mais fundo. Somos uma caixa preta.

Mara Rúbia contou à imprensa que com o passar do tempo ele foi se mostrando cada vez mais ciumento e possessivo, mais controlador.   

Até que ela não agüentou mais e fugiu, voltando para a casa dos pais.  Mas ela tem uma criança de sete anos de idade com  Bicudo, e  acabou voltando. Mas a sua vida era um inferno, ele controlava até as suas roupas íntimas.   

WILSON BICUDO, 30 ANOS,  CIÚME INCONTROLÁVEL

No dia 29 pela manhã, por volta de onze horas, ela voltou para casa e foi apanhada de surpresa; Wilson a esperava dentro de casa. Ele a agrediu, segurou pelo pescoço, a enforcou com um fio de telefone. Ela desfaleceu diversas vezes.

Dessa vez ela percebeu que a coisa era muito séria. Ela contou à imprensa que ele sempre a ameaçava  por telefone, nunca diretamente. E sempre desmentia as ameaças se ela falasse nisso.

Mas agora ela ficou com medo, muito medo. Ele sempre dizia ser capaz de desfigurar seu rosto, cortar sua orelhas, e outras barbaridades.

Mas agora  ela sentiu a fúria, o ódio, o descontrole de Wilson. Imobilizada, ela percebeu que ele poderia ir longe demais. Ele pegou uma faca de cozinha e, um a um, ele colocou a ponta da faca e espetou nos olhos de Mara Rúbia.

Uma dor horrível, lancinante, e a escuridão.

De um momento para outro Wilson a deixou sem visão.



Um sujeito frio, possessivo, violento, em nada diferente dos casos que lemos sobre os homens ciumentos e vingativos que cortam o nariz, as orelhas ou  jogam ácido no rosto de suas mulheres em diversos países islâmicos.

É como se eles fossem donos da pessoa, proprietários daquela vida, senhores de sua vontade.

E sempre, sempre, caímos no perfil do drama suburbano  rodriguiano: “Se não podes ser minha, não será de mais ninguém”. E Mara contou que Wilson sempre deixou isso bem claro.

SOMBRAS E ESCURIDÃO



Mara Rúbia perdeu a vista direita, talvez os médicos consigam preservar uns 25 por cento da esquerda. Mas não há certeza, os ferimentos foram profundos. Ela sofre, sente dores, perdeu a vontade de alimentar-se.

A situação de alguém que fica cego de uma hora para outra é muito difícil; da luz para a escuridão permanente, ou a bruma, a névoa cinzenta, ou manchas coloridas. O mundo, de familiar passa a ser hostil, desconhecido, perigoso, até.

Aquele que nasce sem a visão ou, como o poeta Borges, a perde lentamente durante os anos, tem a chance de adaptar-se melhor. Adapta o tato, a audição, o olfato mesmo. A cegueira repentina é um choque. Mara precisará de muita força de vontade e apoio.

Agora ela espera ficar com a criança que está com a família de Wilson, que está fugido e sendo procurado pela polícia. Talvez continuar a criar o filho seja um alento em sua vida.

E agora, para quê servirão os espelhos?
 




TUDO QUE É PRÓXIMO SE AFASTA (BORGES)


Trecho de “O Cego” (1972)

"Despojaram-no do tão vasto mundo

Dos rostos, que não são o que eram antes,

Das vizinhas ruas, hoje distantes,

E do côncavo azul, ontem profundo.


Dos livros só lhe resta o que reserva

A memória, essa forma de olvido

Que retém o formato, não o sentido

E que míseros títulos conserva.


O desnível espreita. Cada passo

Pode bem ser a queda. Sou o lento

Prisioneiro de um tempo sonolento

Que não marca sua aurora nem ocaso.


É noite. Não há outros. Com o verso

Devo lavrar meu insípido universo.


Elogio da sombra
Jorge Luis Borges

A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)

pode ser o tempo de nossa felicidade.

O animal morreu ou quase morreu.

Restam o homem e sua alma.


Vivo entre formas luminosas e vagas

que não são ainda a escuridão.

Buenos Aires,

que antes se espalhava em subúrbios

em direção à planície incessante,

voltou a ser La Recoleta, o Retiro,

as imprecisas ruas do Once

e as precárias casas velhas

que ainda chamamos o Sul.

Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;

Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;

o tempo foi meu Demócrito.


Esta penumbra é lenta e não dói;

flui por um manso declive

e se parece à eternidade.


Meus amigos não têm rosto,

as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,

as esquinas podem ser outras,

não há letras nas páginas dos livros.

Tudo isso deveria atemorizar-me,

mas é um deleite, um retorno.


Das gerações dos textos que há na terra

só terei lido uns poucos,

os que continuo lendo na memória,

lendo e transformando.


Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte

convergem os caminhos que me trouxeram

a meu secreto centro.


Esses caminhos foram ecos e passos,

mulheres, homens, agonias, ressurreições,

dias e noites,

entressonhos e sonhos,

cada ínfimo instante do ontem

e dos ontens do mundo,

a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,

os atos dos mortos,

o compartilhado amor, as palavras,

Emerson e a neve e tantas coisas.


Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,

a minha álgebra e minha chave,

a meu espelho.

Breve saberei quem sou.

(FOTOS TV GLOBO e Arquivo pessoal)
 

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